quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Depressão, cure ela com seu computador...

Eram exatamente 00:00 hora quando eu, conversando com uma grande amiga de Belo Horizonte, a capital mineira dos bons modos e da boa comida pude perceber o tamanho da solidão em que ela se encontrava naquela que e chamada a cidade do acolhimento, da boa gente, da boa musica, da boemia... alguns ate chamam Belo Horizonte de ceu...

Resolvi partilhar aqui no blog um pouco do relato que me foi contado a partir daquilo que pudemos conversar pela net, as vezes ate mesmo esse meio de comunicação nos força a fazer aquilo que de alguma forma não nos e permitido, por isso lembro que os nomes e a identidade da minha querida irma estao guardados no lado esquerdo do meu peito, lugar onde somente chega aqueles ou aquelas que tem minha permissão para adentrar...

Às oito e meia da manhã, Fernanda começa a revirar-se embaixo do lençol rosado. A jovem, que se deitou por volta das duas horas da manhã, logo está de pé. O sono foi encurtado em pelo menos duas horas graças aos peões que trabalhavam na reforma do prédio ao lado. Ainda deitada, ela apanha o copo com água, deixado na noite anterior, e engole uma cápsula de Venlafaxina e meio comprimido de L.orazepam(ponto de propósito, o sistema não aceita a postagem do nome do remédio).

Sob o som de marteladas e gritos não tão elogiosos entre os trabalhadores do outro lado da parede, ela arrasta os pés calçados pelas pantufas de sapo em direção à cozinha. Sozinha, a garota inicia o desjejum como em todas as manhãs nos últimos anos. A irmã Daniela acordará horas mais tarde, já que dorme num quarto no outro canto da casa. O pai já partiu para o trabalho antes mesmo de os operários vestirem os capacetes de proteção azul celeste.

Formada e esperando pela assinatura do contrato de trabalho, ela se senta em frente do que lhe consume a maior parte do dia: o computador. Fernanda S. A., de 23 anos de idade, sofre de depressão há seis. A causa não é exata nem mesmo para ela.

- A pressão da escola, problemas em casa, tudo isso colaborou um pouco. O computador me ajuda a passar o tempo, eu fico a maior parte do tempo conversando enquanto pesquiso, dá para distrair a mente. – Quando não está em frente à maquina, a jovem morena sobe a escada que leva ao terraço, e observa o entardecer vermelho de Belo Horizonte.

- Sabe, o pior mesmo é a solidão. Minha mãe vive em Conselheiro Lafaiete, e durante a semana eu fico aqui em BH com meu pai e minha irmã, eu só a vejo nos fins de semana, quando vamos todos pra lá encontrar com ela. E aqui, é complicado. Eles não entendem bem o que eu tenho, acham que eu gosto de ficar sozinha, enfiada dentro de casa.

E esse não é um problema que assola somente a ela. A maior parte dos depressivos queixa-se do apoio recebido dos amigos e familiares. O problema é tão pessoal que as maiores comunidades sobre o assunto no Orkut têm o conteúdo de acesso restrito aos membros. Um dos usuários, que chamarei aqui de Alberto, me confidenciou que “o pior é ouvir dos amigos que eu tenho que sorrir, acordar pra vida. Parar de tomar os remédios. Porra, é como se eu gostasse de ficar trancado no quarto chorando. Depressão é igual correr numa caixa de areia, você tenta, tenta, mexe os pés, mas nunca consegue sair do lugar.”

Por sofrer de um tipo diferente de depressão, a biológica, Fernanda não aposta muitas fichas em sua melhora. Com um organismo deficitário em um neurotransmissor chamado Serotonina, ela depende dos medicamentos, das aulas de dança do ventre e a internet para suportar o giro do relógio, dia após dia.

Na hora do almoço, sentada ao lado da irmã, Fernanda engole, junto da comida, outra cápsula de Venlafaxina. Da cozinha, com os pés ainda enfiados nas pantufas, ela volta para a sala. Ela então larga o corpo já livre da camisola de virar a noite em frente ao computador posto sobre a mesa da sala, ao lado da máquina utilizada pela irmã. Escondida dentro de si, ela engole o choro e a mágoa das discussões com o pai e a irmã, e suporta quieta a saudade da mãe, a Ana Maria.

- Amo meu pai e minha irmã, mas dói quando eles brigam comigo, ainda mais que eu não posso fazer nada para consertar isso. – O dia fica mais suportável quando a irmã sai de casa para a faculdade. Sozinha, consegue evitar as brigas que sempre lhe arrancam lágrimas pelas palavras duras que diz e ouve. – É difícil ficar aqui em casa sem ninguém, mas pelo menos eu me viro para contornar a depressão e a vontade de chorar, não machuco ninguém.

Quando o pai chega do serviço e a irmã da faculdade, a batalha recomeça. Como um espírito condenado ao inferno de Dante, ela passa pelo mesmo calvário diariamente. De segunda à sexta, conversas extenuantes com o pai, que como todo bom protetor e apaixonado por quem criou, inicia o diálogo tentando incentivá-la a sair daquele ponto de calmaria. Ela, já com os olhos lacrimejantes, diz que tenta. Daí, a conversa prossegue com a irmã interferindo ao lado do pai. O que sempre começa como um diálogo, termina sempre em discussão e acusações.

Ela então volta ao computador. Os dois computadores sobre a mesa, um novo e outro velho, deveriam servir às duas filhas do seu Mauro em sistema de rodízio. Fernanda aceita usar diariamente o equipamento ruim para evitar novas discussões com a irmã. Ali, atrás do monitor, consegue ao menos dissipar as angústias com amigos que não cobram e nem demandam. Que, diferentemente do pai e da irmã, entendem as dificuldades. Daí, por volta das oito ou nove horas da noite, até o início da madrugada, ela submerge em meio aos amigos, que embora virtuais, entendem que ela precisa de apoio, e não de exigências.

Na sexta de noite, a redenção. Com seu Mauro e a irmã, voltam todos para Conselheiro Lafaiete encontrar a mãe e passar o fim de semana. Assim que coloca os pés para fora do carro, Fernanda é cercada por aqueles que são talvez seus bens mais preciosos: o golden retriever Ian, o husky siberiano Hoshi e o poodle genérico Bernardo. Dali, a jovem morena vai rever a mãe.

A convivência com dona Ana é mais tranqüila. Talvez por também sofrer nas garras da águia sombria que é a depressão, a dona Ana entenda o drama da filha. Ambas tentaram e largaram a terapia. – Eu larguei isso, não conseguia conversar com alguém que eu sabia que analisava tudo o que eu dizia. – Desabafa, a filha mais velha de Ana Maria.

Os sábados e domingos ali em Conselheiro Lafaiete, ou Lafa, para os íntimos, são bem diferentes da solidão em Belo Horizonte. Enfiada dentro da camisola e debaixo do lençol quadriculado azul com estampas de ursinho, Fernanda acorda também as oito e alguma coisa da manhã, e toma os mesmos remédios de sempre. Cercada pelas paredes cor salmão e pelo chão de tacos de madeira, ela senta na beirada da cama. Na cabeceira, fotos de todos os animais. Curiosamente, em todos os retratos a mineira estampa um sorriso de dentes brancos no rosto.

Dali, após desviar de uma enorme tartaruga de pelúcia ela arrasta as pantufas de girafa até a mesa do café da manhã. Depois de engolir o pão com manteiga e tomar um copo de suco, ela vai para o quintal, divertir a ela e aos cachorros com duas horas corridas de companhia mutua.

Ao redor de uma mesa branca, oval e disposta de seis lugares. No centro, panelas fumegantes com comida caseira. É ali, que aos domingos, cercados por armários embutidos brancos que dona Ana, seu Mauro, Fernanda, Daniela e o filho mais velho, Rodrigo, piloto de avião, se reúnem para almoçar e conversar como uma família. Se ficar quieta, imersa na própria solidão, Fernanda consegue vencer mais uma etapa no convívio familiar. Se não, inicia-se uma discussão sobre a acomodação dela dentro da depressão. Mesmo convivendo pouco com a irmã do meio, Rodrigo sempre acaba tomando o partido do pai e da outra irmã. Para eles, sair da depressão é somente uma questão de querer.

Aos sábados, quando almoça ali, mais cedo e acompanhada da mãe, a jovem morena consegue engolir a comida sem molhá-la com lágrimas. As duas, por sofrerem da mesma doença, dão apoio uma a outra. A irmã, que ficou na internet até tarde comerá depois acompanhada do pai. O irmão, está quase sempre com a namorada.

Após o almoço em Lafa, geralmente a jovem tem dois programas. Ou vai à cidade acompanhada da mãe, ou volta ao computador. Nesse caso, sentada sobre as estampas de ursinho e com o notebook no colo, ela busca conforto com os amigos. Sair com a mãe ou falar com os amigos, ambas as coisas tem a mesma função. Funcionam como um Oasis que a permite salvar energia para atravessar o deserto.

Por volta das 17:00, quando o sol já não trabalha mais com o único objetivo de fritar casco de tartaruga, é hora de voltar pra casa com a dona Ana ou desligar o computador. Fernanda precisa levar a homeopatia para passear. Acompanhada de Ian e Hoshi, ela passeia ou é arrastada pelas calçadas da cidade. Com a mente vagando entre os cachorros, o horizonte e uma esperança longínqua, ela guarda fôlego para a noite que se aproxima.

Sábado a noite, ela coloca o computador no colo e volta a trocar palavras com os amigos. Não importa se são bits trocados entre terminais ligados por cabos de fibra ótica. É assim, com o apoio dos amigos que ela teve forças para continuar em busca do primeiro emprego. Aos amigos, acrescente um ex-namorado com quem ela não conversava há mais de quatro anos. As longas conversas pelo MSN, com ele e com o melhor amigo, estão colocando levemente cascalho no pântano emocional aonde ela vive. As desilusões, que antes a deixariam prostrada ao chão indefinidamente, agora servem como ponto de apoio para o joelho. A cada queda, ela levantou-se aos poucos, e conseguiu finalmente arrumar um emprego.

O apoio às vezes funciona melhor que a medicação. Um americano, que pediu para ser identificado como DiosSword (espada de Deus), contou que já passou por hospitais civis e militares, na época em que foi membro da Divisão de Aerotransportados do Exército americano. Vindo de uma família de alcoólatras e de pais abusivos, ele se afundou na depressão até o momento em que foi dispensado da farda, com honras. Ele diz que entre os médicos e os remédios, pouco foi feito. O maior apoio que ele encontrou foi a esposa, que sofre de síndrome do pânico. “Como dois sobreviventes de uma espécie em extinção, a gente se entende. Ela me levanta e eu a mantenho de pé, é assim que tocamos a vida”.

E é esse apoio que Fernanda encontra em dona Ana Maria, e que também mantém a mãe com um sorriso no rosto. O leve sorriso nos lábios da menina, em frente ao computador, mostra uma coisa: eles não precisam só de remédios e terapia, mas também de apoio incondicional. Ser amigo de um depressivo é uma missão. Uma missão que levanta os caídos e dá forças aos sem vigor.

Aventure-se...

donatto lcj.

agosto de 2010